segunda-feira, 16 de maio de 2011

A Norma Culta e o Fascismo Gramatical

A Folha de São Paulo do sábado último saiu com a seguinte manchete no caderno Cotidiano, "Livro distribuído pelo MEC defende errar concordância". Era o entendimento da FSP para o seguinte trecho do livro distribuído pelo MEC "Você pode estar se perguntando: "Mas eu posso falar os livro?". Claro que pode. Mas fique atento porque, dependendo da situação, você corre o risco de ser vítima de preconceito linguístico". Que o "jornal" classifique "os livro" como erro de concordância é coisa de quem se pretende o messias da gramática, o farol linguístico do Brasil. Mas o assunto que pretendo abordar é outro. No dia seguinte a FSP saiu com a coluna de Clóvis Rossi, um exemplo prático de preconceito línguistico.

Na coluna, ao final do segundo parágrafo o jornalista diz "é muito mais difícil ensinar o certo do que aceitar o errado com o qual o aluno chega à escola". Difícil é não se render aos preconceitos da elite intelectual que se arvora o papel de juiz, juri e carrasco da língua portuguesa, dizendo qual a norma gramaticalmente aceitável, impondo às outras normas o gueto linguístico. A exclusão social opera na esfera econômica, política, urbana e também cultural, da qual a imposição acrítica da norma culta é artifício destacado. O jornalista diz que o aluno chega à escola com o errado, de uma tacada se despreza toda a bagagem cultural do aluno e ignora a riqueza de normas de escrita e fala do Brasil.

A coluna segue e o jornalista diz "Tal como matar alguém viola uma norma, matar o idioma viola outra. Condenar uma e outra violação está longe de ser preconceito. É um critério civilizatório.". Por evidente existem outras normas além da culta, e mesmo essa está sujeita às pressões da realidade. A língua falada no Brasil é resultado do processo histórico, que está longe de civilizatório. Basta lembrar que a língua dos nativos brasileiro não era o português, a norma culta é resultado, entre outras coisas, do massacre colonialista.

Pra mim há um claro paralelo entre os que se preocupam com a descaracterização de higienópolis e a descaracterização da norma culta linguística. Em ambos os casos operada uma gente diferenciada.

Clóvis Rossi se porta como o taleban da gramática, declarando a jihad ao hereges. O tempo do fundamentalismo está morto.

3 comentários:

  1. O Clovis Rossi deveria ler algum livro do Marcos Bagno. Que desanimador que essa idéia de falar "certo" seja ainda tão presente e ainda tenha tanta força!

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  2. Este comentário foi removido pelo autor.

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  3. É muito, muito bom ver em leitores a compreensão do que me faz querer sair do jornalismo em momentos como o que estou vivendo, em que vejo minha liberdade de expressão comprometida e já não sei se acredito nessa profissão... Paradoxalmente, ler coisas como o que você escreveu me dá força para lutar mais um pouco, por mais fraco que eu esteja. Nem que esta força seja simplesmente para me levantar da cama e procurar o lugar certo pra mim, afinal.

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