domingo, 17 de agosto de 2014

Essa mudança

Há um profundo e poderoso desejo de mudança que ronda o coração e a mente dos brasileiro desde junho, ao menos de forma mais ou menos consciente. Contudo, a mudança está constrangida pela realidade concreta, seja a experiência do povo a indicar qual mudança pretendem, seja as alternativas possíveis à mudança.

Neste momento, se consagram em Marina a esperança de milhões, num movimento que parece ainda estar começando. Há nisso uma boa nova, o laço de continuidade que atava as escolhas do povo vai se rompendo mais e mais.

Não há como não se entusiasmar com a esperança do povo num novo futuro. Compartilho da esperança e sigo convicto que Marina não dará cabo dela. Está atada aos mesmos compromissos e ao mesmo regime que faz esse país seguir mudando pra permanecer igual a mais de 500 anos.

Pra mudar eu tô com Luciana Genro!

domingo, 15 de junho de 2014

O desarranjo governista em São Paulo

Em São Paulo Dilma diz que tem dois candidatos do governismo para derrotar Alckmin. Na convenção do petista ela nem vai e Skaf diz que sua candidatura é independente, para derrotar PT e PSDB.

A recomposição que o PT paulista anunciava com a eleição de Haddad foi soterrada nas jornadas de junho e agora redundam num atrapalhado giro a um oportunismo mais descarado.

O desarranjo do governismo e as sucessivas crises do tucanato (repressão desenfreada, falta d'água e propinoduto) pavimentam o caminho para uma alternativa de esquerda, que, sobretudo, não se confunda com o entulho da partidocracia.

São Paulo foi o coração de junho. A cidade segue queimando em silêncio. Mídia, partidocracia, pelegos e patrões seguem tentando abaixar a temperatura das ruas. Deveríamos estar incendiando as eleições.

domingo, 8 de junho de 2014

A lição do MTST

Ao cabo das multitudinárias manifestações do MTST, Dilma promete incluir o movimento nas novas unidades a serem anunciadas dentro do programa Minha Casa Minha Vida e Haddad promete desapropriar o terreno onde está a ocupação Copa do Povo, assim como alguns prédios ocupados na região central. Está é a narrativa dos fatos tal qual aconteceram.

Ao quadro exposto o
PT tenta acrescentar uma moldura que imagina mudar a cena. Chama a atenção ao desenlace, lhe alterando as motivações e as atribuindo à mítica progressista que tentam imputar ao governo que conduziram nos últimos 12 anos.

Lembremos que é o mesmo MTST chamado de vira lata por Emir Sader, “intelectual” do petismo, e de vândalos pela prefeitura de São Paulo. Lembremos também que é o mesmo governo que não fez nada pela reforma agrária e nem ao menos recebeu o MST, ao qual mesmo os mais entusiasmados petistas não podem supor oposição.

A narrativa construída pelo MTST nas ruas de São Paulo não é sobre a índole dos governos, mas sobre o poder da mobilização.

segunda-feira, 14 de outubro de 2013

Frances Ha

Frances Ha é um filme sobre a crise do que existe sem poder seguir e do que seguirá, sem ainda existir. A crise, aqui, é resgatada simbolicamente na passagem da juventude à vida adulta e corresponde ao constrangimento do desejo diante da inevitabilidade do real. Tudo feito com um sorriso no rosto, de modo que o tolhimento das ambições se confunda com a normalidade e a normalidade com a felicidade. Mas, e isso importa muito, o desejo segue, submerso, e aparece nas frestas do espaço e do tempo, aparece no olhar entre as amigas.

Trata-se do discurso americano diante das múltiplas possibilidades que enxergaram na primeira eleição de Obama e mais recentemente no movimento occupy, que não redundaram nas profundas transformações que pareciam anunciar. Os EUA enxergam com certa melancolia e pessimismo a emergência dos novos movimentos de transformação social, política e econômica ao redor do mundo. Que tem a ver com a incapacidade de dar vazão ao que estas transformações pareciam suscitar também ali e com o deslocamento do eixo da produção das referências simbólicas que ordenam a vida.  Por certo, Frances Ha não trata de nada disso, mas carrega o espirito de seu tempo, um tempo social, político e econômico.

O retrato vivo do espirito de seu tempo me parece ser a grande força do filme, por meio da naturalidade que parece emanar de cada uma das cenas. Um filme que é antes de mais nada vivo, que retrata um punhado de instantes que parecem de fato estarem lá quando os vemos.

Contudo, e esta me parece uma distinção importante com a filmografia destes anos, o real, ainda que inevitável, não é total, ele constrange o desejo, mas não o anula. Há de se reconhecer as frestas no real, que permitem ver que há mais do que apenas o que existe, uma certa reserva de tudo que é imponderável.

terça-feira, 11 de dezembro de 2012

Holy Motors


É um tempo que não caminha, gira em falso a cada vez que se quebra o climax e a encenação é reafirmada.


Não existe experiência, pois o ato não acontece, tão e só somente a sua reprodução, alienada, pois a imagem é a imagem apenas de si. A plateia impassível, diante da qual a arte já não tem mais efeito, ou antes, não tem mais significado, em sua encarnação de imagem alienada, antecipa essa conclusão.

A bem da verdade, o gesto ocorre, ao que parece o encontro dos ex-amantes acontece no interlúdio entre os personagens que interpretam, mas aqui, a identidade entre a imagem e o ato, entre os personagens e os atores, anula o significado de ambos. De modo que, nem o gesto é capaz de resgatar o seu sentido original, o seu significado. A última passagem parece reforçar essa conclusão, nela, a diferença entre cultura e natureza é a encenação.

Ao longo do filme me parece haver uma série de momentos de indistinção, entre o romance físico e sua encarnação virtual, por meio de avatares, entre beleza e feitura, entre verdade e imagem e entre natureza e cultura. No que eventualmente me parece o melhor do filme, a relativização das posições tomadas como naturais, movimento reforçado pela quebra do climax ao final de cada esquete.

Contudo, me parece o filme de uma descrença absoluta, sobre o qual não há o que escrever, ainda que o faça, pois não se trata de quais signos mobiliza, mas justamente o oposto, o gesto e a imagem alienados de qualquer verdade.

quinta-feira, 6 de dezembro de 2012

Sobre o amor



A negação dos atos hegemônicos do amor revela, na verdade, a crença absoluta no amor, como uma ideia absoluta, que existe a despeitos dos atos e do entendimento, uma ideia transcendental.

A negação dos atos revela a negação de sua existência história e espacial, a negação da existência física da ideia e de sua verdade possível. No sentido que a existência transcendental da ideia é uma verdade impossível, para a qual o ato é uma imagem, uma interpretação ou uma encenação da ideia. O ato, em sua existência física, pode também ser mimetizado, a despeito da ideia/sentimento que o deveria animar, num movimento que em que a encenação passa a ser só a sua reprodução alienada. De modo que, o ato não é a prova derradeira da ideia, ainda que tomada em sua materialidade seja sua única prova possível.

Trata-se, então, da recusa da prova. Do salto de fé.

quarta-feira, 5 de dezembro de 2012

Olhos de Serpente

É um filme dentro de um filme, só que ao contrário.

Abel Ferrara expõe as víceras de seus filmes, tomados pelo seus aspectos mais genéricos, conflitos familiares, drogas, religiosidade, etc. As discussões sobre os significados das cenas e a construção dos personagens têm um interesse próprio, mas me parece haver um traço mais marcante, que me veio depois e por isso me pareceu menos óbvio.

Na primeira cena, o diretor do filme dentro do filme janta, compondo o retrato de uma típica família pequeno burguesa. Contudo, o filme dentro do filme trata do oposto disso, marido e mulher em conflito, nos estertores de uma relação que envolve outros parceiros e drogas. O diretor é o centro nevrálgico da composição do filme, guia o sentido das cenas e a composição dos personagens, trata-se de sua visão. Ao movimento de impor sua visão e filmar, segue outro, no qual passa a mimetizar, no âmbito de suas relações pessoais, a visão que impunha ao filme. Ele encena na vida o filme, como uma ideia que antecede o fato, num processo de imersão ao qual tenta submeter os atores e ao qual se impõe, mas porque me parece admirar sua própria obra. Tenta fazer ela falar, tenta a fazer viver pela sua carne. Mas também no que pode ser uma busca pela verdade em sua obra, através da vivência.

Este movimento inverte as posições entre imagem e realidade/verdade, a primeira passa a preceder a segunda, no que parece uma discussão sobre as implicações da arte, dentro de outra mais ampla, sobre o que é a verdade e que verdade representa a arte. Mas o filme parece também ir revelando o que seria o fato, antes da ideia de uma família pequeno burguesa, que ele talvez encene. Devolvendo o filme a sua condição de mimese ou interpretação de uma realidade que o antecede.